sábado, 20 de setembro de 2008

em considerações sobre mim mesma

TARKOVSKI, ANDREI. ESCULPIR O TEMPO. TRAD. JEFFERSON LUIZ CAMARGO – 2ª ED. – SÃO PAULO: MARTINS FONTES, 1998.

VII. A Responsabilidade do Artista


“Por que algumas pessoas só aceitam como real aquilo que é superficial, pretensamente “bonito”, mas que é na verdade vulgar, de mau gosto, inferior e banal – enquanto outras são capazes da experiência estética mais genuinamente sutil? Onde deveríamos buscar as causas da surdez estética – na verdade, uma surdez às vezes moral – de um grande número de pessoas? De quem é a culpa? E seria possível ajudar tais pessoas a vivenciar a inspiração e a beleza, e os nobres impulsos que a verdadeira arte desperta no espírito?
Acho que a resposta esta na própria pergunta; mas por enquanto, não quero me preocupar com ela, apenas colocá-la. Por uma ou outra razão, sob sistemas sociais diversos, o público em geral é alimentado com imitações baratas, e ninguém está preocupado em despertar ou alimentar o gosto estético. No Ocidente, ao menos, dá-se ao público a possibilidade de escolha; os maiores diretores do cinema estão à disposição, caso o público queira vê-los – não há nenhuma dificuldade em vê-los; no entanto, a influência dessas obras é pouco significativa, a julgar pela freqüência com que sucumbem na luta desigual contra os filmes comerciais que abarrotam as telas. (...) As pessoas deixam de sentir qualquer necessidade de beleza ou de espiritualidade, e consomem os filmes como se fossem garrafas de Coca-Cola. (...) O espectador sente necessidade destas experiências substitutivas como compensação por aquilo que ele mesmo perdeu ou que lhe faltou; vai em seu encalço numa espécie de “busca do tempo perdido”. E, em que medida essa experiência recém-adquirida será humana, depende apenas do autor. O que é de uma responsabilidade enorme!
Por isso, acho bastante difícil entender quando os artistas falam em liberdade absoluta de criação. Não entendo o que querem dizer com tal espécie de liberdade, pois parece-me que, se optamos pelo trabalho artístico, encontramo-nos acorrentados pela necessidade, presos às tarefas que nós mesmos nos impomos e à nossa vocação artística.
Tudo está condicionado por um ou outro tipo de necessidade; e se realmente pudéssemos encontrar alguém em condição total de liberdade, esse alguém seria como um peixe de águas profundas arrastado para a superfície. É curioso pensar que o inspirado Rublev trabalhou dentro dos cânones estabelecidos! E, quanto mais tempo vivo no Ocidente, mais a liberdade me parece curiosa e equívoca. Liberdade para tomar drogas? Para assassinar? Para cometer suicídio?
Para ser livre, é preciso apenas sê-lo, sem pedir permissão de ninguém. É preciso que se tenha os próprios postulados sobre aquilo que se é chamado a fazer, e guiar-se por eles, sem dobrar-se às circunstancias ou ser cúmplice delas. Porém, essa espécie de liberdade requer um elevado grau de autoconsciência, consciência da responsabilidade para consigo próprio e, portanto, para com os outros.
Mas, ai de nós, a tragédia é que não sabemos ser livres – pedimos liberdade para nós mesmos em detrimento dos outros: isso seria usurpar nossos direitos de liberdades pessoais. Hoje, todos nós estamos contaminados por um egoísmo extraordinário, e isso não é liberdade: liberdade significa aprender a exigir apenas de si mesmo, não da vida ou dos outros, e saber como doar: significa sacrifício em nome do amor.” (p. 214 – 217)


Ele continua, mas até aqui é o suficiente pra mim!

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