terça-feira, 1 de abril de 2008

sobre de onde viemos...

“Não devemos negar de onde viemos”, dizia uma professora que tive. A escolha da foto do casamento de meu pai e minha mãe foi, talvez, em razão de que essa frase continua ecoando em minha cabeça, ou, talvez simplesmente pela distância e saudade, ou ainda, pelo fato de que sou fruto desse acontecimento. Ao me propor olhar com distanciamento, importante reforçar o verbo propor, não posso negar que minhas sensações e sentimentos acabam por me nocautear, e num instante, estou na lona!
Ao procurar uma justificativa da escolha da foto, vejo-me cada vez mais perdida em imagens e recordações de um tempo que não vivi. Entretanto, não consigo evitar os olhos que ali estão. Escolho a foto em razão dos olhares. A cumplicidade daqueles olhos. São os mesmos olhos capazes de me fazer calar com um movimento. Os mesmos olhos de onde esperava a aprovação de meus atos. Obviamente, que os corpos mudaram. O tempo, nosso companheiro, agiu sobre meu pai e minha mãe.
Diante de tantas lembranças, memórias dos dois e da imagem capturada por uma câmera no dia de seu casamento, fico com uma sensação de completude, de comunhão com as pessoas responsáveis por minha existência, sem os quais eu não seria o que sou.
A fotografia traz como contexto o matrimônio entre Malgarete Moro Neckel e Alipio Neckel. A cerimônia ocorreu no dia 22 de julho de 1972, numa tarde de chuva muito forte e frio intenso. O local de realização foi a Catedral Santo Antônio, na cidade de Chapecó em Santa Catarina. O instante capturado pelo fotografo é dos dois já casados, sob reconhecimentos civil e religioso, minutos antes de se dirigirem ao local onde seriam recepcionados os convidados.
Os dois traziam consigo a época e o momento que viviam, pelos cabelos, pelo corte de suas vestes, enfim, pelos trajes em si. Observo os dois como jamais os vi durante minha vida. Ela em um vestido de noiva que revela a década em que estava vivendo (1970), e as influencias de movimentos sociais. Simples e altivo. Ele, à rigor estilo black tie, smoking, gravata borboleta. Simples e elegante. Na face dela, vê-se beatitude, na face dele, segurança. Faces juntas, mão no peito, braço no ombro, parece que trocam sentimentos, e a certeza de que daquele momento em diante seria um novo começo. Vejo-os agora com certa distância.
Passamos um bom tempo de nossas vidas tentando compreender de onde viemos. Algumas vezes negamos que nossa referência primeira são nossos pais. Eles são nossos pontos de partida. Enquanto filhos, parece-nos que sua história começa com nosso nascimento. Afinal, nós lhes atribuímos o nome de pais. Contudo, não se pode esquecer que antes mesmo de existirmos eles já compunham uma história com fatos, acontecimentos, situações, circunstâncias, que nos escapa por vezes.
Pensando na história de meus pais, a partir da foto escolhida, tento encontrar qual teria sido a principal circunstância dada em suas vidas. Como filha, adoraria poder afirmar que foi meu nascimento, mas seria demasiado egoísta de minha parte. Procuro com isso, vê-los não como meus pais, mas como indivíduos, Outros e não o Mesmo de mim. Atitude complicada, mas necessária. Entretanto, encontrá-los desse modo é conhecê-los um pouco mais, sem projeções.
Poderia dizer que a principal circunstância dada a eles foi o encontro. “Teu pai não me deixava em paz! A gente trabalhava no mesmo lugar.” Enquanto isso meu pai ri e eu o acompanho. Não é difícil irritar minha mãe até hoje. Ela é uma dessas mulheres fortes. Guerreira. O meu pai, um senhor paciente, e contemplativo. O encontro dos dois, uma espécie de equilíbrio e completude.
Acredito que encontrar é fundamental para que possamos viver. Encontrar-se com um objetivo, um ideal, uma utopia, ou um amor. Construímos parte de nossa história a partir do encontrar. Eterna busca difícil de ser completada, pois continuamos procurando e encontrando.
Os encontros com oportunidades levaram meus pais para lugares diferentes daquele de onde saíram. Todavia, o norte em suas vidas sempre foi o retorno às terras catarinenses, parece-me que isso os moveu por muito tempo. Meu nascimento e o de minha irmã foram dois encontros a eles. Era o novo que se apresentava. Agora, eram chamados pai e mãe, tornando-se o que são para mim até hoje. Sei que o nascimento de um filho em uma família é um acontecimento importante, mas não gostaria de permanecer só com essa visão sobre Malgarete e Alipio, gostaria de compreender sua história.
Creio que no fundo da história dos dois, o verdadeiro encontro aconteceu quando se conheceram. Acredito que o amor de ambos se tornou companheirismo ao longo dos anos. Quando vou visitá-los, vejo isso nos mesmos olhos, agora envelhecidos, que se contemplam com paciência e amor. São olhos que se revelam um ao outro pela sabedoria, pela vivência juntos. E nesse momento, orgulho-me do lugar de onde vim, pois aprendi desde lá como viver é precioso. Como é bom saber que temos uma gaveta maior para as boas lembranças! Encontrando-os de outro modo, chego ao lugar de onde vim, plenitude de si mesmo. O lugar está lá. Algum dia não estará mais, mas ainda assim, estará em mim.


para meu pai que hoje faz 63 anos, meu orgulho...um grande amor...

amo vc pai!

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